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Um dia de patriota

Atualizado: 10 de nov. de 2022


dia 1 de novembro acordo com uma mensagem cancelando um trabalho por causa dos bloqueios nas estradas pedindo intervenção militar. depressivo e preocupado com as contas do mês e com a situação do país, não levanto da cama. leio poemas de Brecht em espanhol, tradução que Heron Coelho me emprestou. antes estava lendo ROTA 66 do Caco Barcellos. estava ficando muito realista e raivoso com essa leitura. com Brecht não é tão diferente. é como se comprássemos um poeta e ficássemos em contato com a beleza, de modo que a comparação com a realidade deixasse a gente blasé com a vida. preciso de poesia! mas também de dinheiro.


levanto e faço um café com canela e um pão na chapa. são meio dia no horário de Brasília. a vida continua um caos. resolvo ir na academia pra relaxar um pouco e fortalecer as costas. já disse isso antes: uma ex namorada disse que dor nas costas é problema financeiro. não tenho muita paciência com conversas místicas. sou por demais realista.


saio da academia e passo no posto de gasolina. o frentista sinaliza negativamente para mim:


- acabou?

- já era!


sigo para outro posto e peço para encher o tanque. a conta dá R$ 256,00.


- caralho! aumentou a gasolina?

- opa! foi só passar a eleição.

- aumentou quanto?

- uns 50 centavos.

vou no correio enviar uns livros. fiz uma promoção 13. O que a gente não faz para vender um livro, não é mesmo? o primeiro correio sem sistema. na segunda agência me pedem pra preencher e assinar aquele documento de controle. não entendo porque numa agência pede e em outra não.


paro pra almoçar no quilo da padaria. como uma picanha com arroz, farofa e vinagrete. bebo água. refrigerante dá celulite na barriga e eu fiquei três meses fazendo um exercício de abdômen somente para um lado num equipamento. até que um dia tentei me exibir para uma garota levantando todo o peso do equipamento:


- oi.

- oi.

- desculpe me intrometer, mas é que você está fazendo esse exercício errado.

- sério?

- sim. você tem que virar a máquina pra fazer do outro lado também, se não você vai fortalecer apenas um lado do abdômen.

- ainda bem que você me avisou. faz três meses que só faço de um lado.

- sério?

- sim. acho que vou fazer três meses pro outro lado agora.


chego em casa e faço outro café. bebo fumando um cigarro na varanda olhando uma bandeira do Brasil no prédio em frente. o celular vibra. olha e vejo um número +54. de onde será essa merda? telemarketing internacional agora?


- alou!

- hola! és Vitor?

- soy yo!


me ligaram de uma tv argentina. disseram que me indicaram e que estavam enviando uma equipe para cobrir as manifestações contra os resultados das eleições e se eu poderia fotografar e servir como tradutor. topei na hora. tomei café da manhã na padoca em frente ao hotel em que a equipe estava hospedada. enquanto mastigava um misto quente pensei em todos amigos bolsonaristas que xinguei e desfiz amizade, em primos, vizinhos, etc. esse povo vingativo que se me vissem lá poderia dizer que eu queria matar o mito e essa multidão de raivosos viessem pra cima de mim. fiquei com medo. lembrei de Gero Camilo e de minha mãe me dando bronca dizendo que eu poderia morrer na mão dessa gente com as provocações que eu faço. lembrei de Chico Buarque dizendo que tudo que escreveu com raiva ele deixou de apreciar com o tempo. a raiva é inimiga da lapidação. precisamos deixar de ter raiva. a raiva dá medo para todos os lados. o medo nos faz ter raiva. precisamos enxergar a beleza nas coisas. precisamos entender a complexidade da vida.


encontro a equipe no hall do hotel. um cinegrafista e uma jornalista. me perguntam se posso ajudar fazendo contatos com outros jornalistas. entro em contato com um amigo que está fazendo cobertura pra mídia internacional. ele nos passa um grupo de whatsapp bolsonarista no qual acessamos e passamos a acompanhar a conversa. lá tem as regras e determinações de como devem se vestir, o que devem e não devem dizer, o que escrever nos cartazes, como se portar perante a polícia, quais os gritos de guerra. muitas recomendações para quem está lutando por “liberdade”.

chegamos às redondezas do Comando Militar do Sudoeste por volta das 9h30 e muitas pessoas se aglomeram em frente ao edifício militar. elas seguem à risca as recomendações do grupo de whatsapp.

fotografo um rapaz vendendo capa de chuva e bandeiras do Brasil. época boa pra fazer dinheiro.

é um dia frio. seria um bom lugar pra ler um livro. ao invés disso duas figuras conversam sobre como identificar infiltrado na manifestação. um diz que é pelo aperto de mão.


- infiltrados apertam a mão diferente.

um homem que não aparece na foto se afasta do grupo nesse momento e começa a gritar:


- E TÁ CHEIO DESSES CANALHAS AQUI! INFESTADOS DELES! UM BANDO DE INFILTRADOS COMUNISTAS!

percebo que ele grita olhando para mim. com raiva. continuo fotografando sem olhar para ele. finjo que não é comigo e vou fotografar outra situação afastada dele. volto para o carro e digo aos colegas de trabalho:


- yo acabo de receber ofensas por estar acá fotografando.

- si?

- si. essas personas no gostam de periodistas y también no gostam de argentinos por motivo de Cristina. y Fernandez esteve acá com Lula un dia después de las eleciones.


caminhamos para a rua do Comando. fotografo algumas observações correspondentes ao grupo. apesar de pedirem para não citarem Bolsonaro, em tudo que se olha há a mensagem do presidente não reeleito. as motos importadas presentes em suas motociatas e pessoas fazendo sinal de arminhas em frente ao tanque do exército.

algo muito interessante é que vejo pessoas de diferentes níveis sociais e diferentes tons de pele. não há aqui apenas a classe média dos protestos pelo impeachment de Dilma Roussef. o bolsonarismo foi muito eficiente em adentrar diversas camadas da população. acredito eu que pela identificação com os preconceitos que existem em todos nós seres humanos. é mais fácil lutar a favor da maré do que contra ela.


um homem enrolado a uma bandeira pergunta de onde somos.

- sou do Brasil. estou acompanhando uma equipe de televisão Argentina.

- são de esquerda?

- como?

- na Argentina só tem pessoas de esquerda, não é?

- cara, eu não sei. não moro lá. mas me parece que Argentina está polarizada como o Brasil está. o presidente anterior era de direita.

- e vocês são o que?

- somos jornalistas. cara, você quer falar? dar uma entrevista? falar algo para as pessoas?

- quero.

- beleza. me diga o que você faz, por favor.

- eu sou pastor.


não escutei a entrevista do pastor porque um outro homem grudou em mim questionando:


- de onde vocês são?

- eu sou do Brasil. e você?

- de onde é o canal?

- é um canal da Argentina.

- qual o nome?

o homem estava com celular na mão. o canal faz reportagens isentas, porém tem uma identificação histórica com o peronismo. e a isenção jornalística nesse caso onde as pessoas são guiadas por mentiras e falta de pesquisar as balelas que chegam via whatsapp, é necessariamente contar a verdade. o que pra eles se configura em inimigos. fiquei com receio de dizer o nome e ele procurar no Google.


- não me lembro.

- como não lembra? você trabalha no lugar e não sabe o nome?


é assim que se descobre um infiltrado, pensei. mais fácil do que aperto de mão.


- cara, eu não trabalho lá. só estou acompanhando a equipe.


ele estava bravo. usei a tática de oferecer uma entrevista. parece que funciona.


- cara, você quer falar com a gente?

- não.

- como não? assim você dá sua opinião. é melhor do que reclamar sobre o que outras pessoas falam.

- é que eu não posso.

- como assim? saiu sem avisar a mulher?

- não, não... sou separado.

- então o que é?

- é que eu sou militar.

- militar?


é assim que se descobre um infiltrado, pensei.


- sim. estou à paisana.

- e pode?

- qual o problema?

- nenhum.

- então.

- então o que?

- estou aqui fiscalizando as mídias.

- legal. bom trabalho.


virei as costas e fui andando com a equipe. o homem nos seguiu fazendo ligações. fiquei olhando pra ele, que fingiu não estar nos seguindo. depois sumiu na multidão.

outros momentos simbólicos iam acontecendo como a chegada de caminhões. uma mulher segurava uma faixa pedindo "intervenção federal". fomos conversar com ela:

- tem uma coisa nos confundindo. qual a diferença de intervenção militar e intervenção federal?

- não tem diferença. é a mesma coisa.

- é uma lei?

- é o artigo 142 da Constituição Federal.

- e como funciona?

- temos que ficar 72 horas nas ruas. daí o exército tem que se pronunciar.

- quando completa às 72 horas?

- hoje às 20 horas.

- e quem se pronuncia? o comandante do exército?

- acho que é o capitão.

- capitão?

- sim. o nosso presidente.

- mas Bolsonaro se pronunciou ontem pedindo pra desbloquearem as rodovias, certo?

- a gente, que conhece ele, entendemos o recado do presidente. ele disse aquilo porque não pode falar o que quer dizer. mas nós entendemos o recado.

- e se por um acaso não houver pronunciamento ou ele dizer novamente pra desbloquearem as rodovias. o que vão fazer?

- nós vamos continuar.


os colegas argentinos perguntaram se era verdade o artigo.


- é fake news. eles pegam uma frase do artigo e colocam nesses grupos de whatsapp e essas pessoas que não leem ficam malucas.

nervoso com a confusão mental esqueço de falar em portunhol. porém eles me entendem. perguntam a diferença das intervenções:


- intervenção militar no hay, não existe. o que eles deseam és um golpe militar con una ditadura. já a intervenção federal é constitucional. ela não se aplica no país, porque o país já é a federação. el presidente de la república puede intervir em un estado brasileño para contener una grande crise. pero se for decreto del presidente, necessita de aprovación del congresso. enquanto a medida vale, el parlamento fica impedido de votar propostas de emenda a la Constituición. acá en Brasil, após la Constituición de 1988, ocorrio una única vez em 2018 en Rio de Janeiro durante governo Temer. porque ocorrio una crise de segurança pública que o estado do Rio de Janeiro no conseguiu conter solamente. la intervencion federale sirve para fedaracion tomar poder do estado e usar o exército, por exemplo. pero és por um rato determinado. nesse caso del Rio foi por un mês. porque no és interessante travar el parlamento.


muitas pessoas continuavam a chegar e o sinal de internet parou de funcionar. as pessoas passam dizendo:


- o cabeça de piroca cortou a internet, o whatsapp, tudo!

- estamos numa ditadura!


conseguimos fazer transmissão live na Brigadeiro onde tem menos pessoas. enquanto a gente filma as pessoas perguntam porque não filmamos na frente do Comando onde está a multidão.


- estamos fazendo uma live. lá não há sinal para live. não tem sinal de internet.

- ó, desculpe. é verdade. o cabeça de piroca cortou nossa internet.


um rapaz se aproxima e pergunta:

- é imprensa livre?

- eu sou. eles são explorados por um patrão.

- como assim?

- o que você faz?

- sou empresário.

- então deixa quieto. somos jornalistas.

- de onde?

- eu sou do Brasil. estou acompanhando uma equipe Argentina.

- Cristina comprou o judiciário, não comprou?

- eu não sei. eu moro no Brasil.


ele vai embora chateado.

um homem chega nos filmando com o celular e chamando a gente de patriotas de luta. pede pra gente falar algo para o Piauí. eu digo:


- VIVA TORQUATO NETO! VIVA O TROPICALISMO!


vejo um rapaz com a camiseta do Raul Seixas por baixo da bandeira do Brasil pedir pra tirar foto com uma figura aparentemente famosa.

- qual o nome desse cara que você pediu pra tirar foto?

- eu não sei. mas é da televisão.

- gostei da sua camisa.

- obrigado!

- viva a sociedade alternativa!

- viva!


Raul Seixas e Paulo Coelho foram presos, torturados e exilados pela ditadura militar na década de 70 por causa da música Sociedade Alternativa. se ele soubesse que estão usando sua imagem no meio de uma manifestação pedindo um golpe militar, ia ficar super feliz.


entramos no McDonald's. desse símbolo vermelho ninguém reclama por aqui. uma fila imensa ao banheiro feminino. meu companheiro argentino pergunta se banheiro é unissex.


- no hable iso acá que iremos morir assassinados. tienes otra fila para hombres.

conseguimos uma mesa e passamos o material filmado e pedimos um lanche. bolsonaristas caíam pela janela de tão lotado o estabelecimento. ao meu lado, na fila do banheiro, duas mulheres conversam. uma delas com o celular à mão diz:


- nossa! ele me enviou uma matéria do Caco Barcellos sobre compra de votos...

- sério? onde?

- sim, numa cidade no Mato Grosso do Sul. mas compra de votos para Bolsonaro.

- é mentira! Bolsonaro não precisa comprar votos.

- mas tem vídeo e tudo.

- deleta isso! é mentira! quem compra voto é Lula!


a mulher fechou o celular e começou a concordar com a senhora. o companheiro chega do banheiro e diz:


- o banheiro cheira muito ruim.

- este cheiro é do ralo.

- ralo?

- si. pra onde vá la mierda.

- entendo.

- y sabes de quién és la mierda?

- no.

- de bolsonaristas.


comemos e voltamos à rua onde de tempos em tempos éramos surpreendidos por comemorações de notícias falsas que chegavam pelo whatsapp.

e essas notícias iam aumentando a ansiedade das pessoas com o pronunciamento do capitão às 20h. eles realmente acreditam em tudo a que eles é dito. e desacreditam em notícias com fatos comprovados. o medo com que cheguei aqui hoje de manhã se transformou em raiva durante a manhã e agora, após o horário de almoço, é de profunda tristeza. o bolsonarismo transformou o país da alegria no país da raiva e da mentira. Bolsonaro vai cair no esquecimento, provavelmente preso por tudo que fez, mas seu legado para o país será uma imensa parcela de idiotas com quem teremos que conviver. e isso é prejudicial ao Brasil.


- É A CNN! ELES FALARAM MAL DA GENTE! gritou alguém apontando pra gente. várias pessoas em volta olharam. eu olhei pra eles e disse: - não é a CNN. é um canal argentino. você confundiu. olharam direito a logo no microfone e se certificaram do erro. se eu não escuto e corrijo o erro, talvez teríamos sido linchados por uma fake news. muitas pessoas reclamam da grande mídia não estar cobrindo as manifestações. ir cobrir às manifestações é colocar a vida em risco. ao mesmo tempo que reclamam da falta de cobertura xingam o helicóptero da rede Globo que sobrevoa as ruas tomadas por patriotas. um homem empunha sua muleta como um fuzil e aponta para o helicóptero.

durante o dia vemos notícias de jornalistas agredidos em manifestações pelo país. esse é o reflexo de 4 anos de ódio à imprensa destilado pelo presidente.

andamos até o monumento às Bandeiras e fotografo famílias fazendo fotos em frente ao símbolo escravagista e de massacre ao povo indígena. as pessoas continuam chegando e um policial tenta controlar o trânsito.

várias infrações vão sendo cometidas. outra policial trabalha sorridente. parece que os policiais gostam do que estão vendo. as pessoas aplaudem a polícia e pedem pra fazer fotos com eles.

ao passar por policiais do GARRA e ver uma família se posicionando para fazer uma foto com eles, fiz um clique como quem fotografasse os noivos com seus parentes numa festa de casamento. um dos policiais fala em voz alta para que eu escutasse: - amanhã estaremos na Folha.


e solta uma gargalhada sarcástica. paro em sua frente e digo:


- eu não trabalho pra Folha, cara. sou livre.


e gargalho junto com ele.


os ônibus ficam parados no transito. fotografo um homem dentro de um deles. depois de um tempo esse homem me para na rua.

- você me fotografou?

- pois não?

- por que você me fotografou?

- porque eu sou fotógrafo.

- mas por que me fotografou?

- ora, não me encha o saco. sou fotojornalista e estou fotografando o que está acontecendo aqui hoje e você está no meio da notícia.


ele fica me observando enquanto me afasto. a equipe está entrevistando um homem.

- por que está acá?

- porque do jeito que está não dá. temos que mudar isso.

- mas a eleição já mudou, certo?


o homem gagueja, percebe que não está falando nada com nada e grita: - VIVA O BRASIL!


olhamos uns para os outros e ficamos sem ter o que dizer. voltamos ao carro que está parado no meio da bagunça. olho as fotos e jornalista diz que seria bom ter uma foto que mostrasse a multidão. saio do carro e ouço uma criança reclamar:


- pai, quero sair do meio dessa multidão.

- calma, meu filho.

as crianças aqui são o que me deixa mais triste. vi uma mãe gritando com o filho de aproximadamente 10 anos:


- ELES SÃO COMUNISTAS! NÃO PODEMOS DEIXAR OS COMUNISTAS TOMAR NOSSO PAÍS, TÁ ENTENDENDO?!


vi também uma garotinha aparentando uns 8 anos gritando: - LULA LADRÃO!


o que uma criança entende sobre o meandros políticos da sociedade? a criança deve brincar. nossas crianças estão se agredindo nas escolas por causa de política. crianças racistas e nazistas em escolas do Paraná. onde vai desaguar o futuro da nação?


procuro um caminhão para subir e fazer a foto da multidão. encontro um lotado de gente em cima. tento arranjar um espaço. os patriotas me ajudam:


- arranja um espaço pro fotógrafo aê.

me ajudam a subir. estou ficando velho pra subir em caminhões. fotografo a multidão enquanto meu pé desliza na graxa. um mano pergunta de onde eu sou. digo que estou apenas fazendo fotos pra luta. ele pede uma foto com o pessoal dele

volto ao carro com a foto e junto retornamos à brigadeiro. no posto de gasolina um homem nos questiona:


- o que acham do que está acontecendo aqui?


finjo que não é comigo. os argentinos não entendem o que é a palavra “acham”. é um som pouco reconhecível para eles. mas o homem insiste e eu traduzo.


- el hombre quer saber o que pensam sobre o que acontece acá hoy.


o cinegrafista se esquiva como eu. jornalista diz que é politicamente de centro e que entende que o resultado das eleições deveria ser respeitado.


- e você que é daqui, qual seu posicionamento.


minto:


- eu não voto em nenhum dos dois, mas penso que o resultado deve ser respeitado. o que está acontecendo desde segunda é uma grande confusão.

- entendo, mas é que houve fraudes. deveria ser feita outra eleição.

- com os mesmos candidatos? - com outros.

- entendo. mas qual a fraude que aconteceu?

- ainda não sabemos. mas o exército vai falar.

- os aliados de Bolsonaro já disseram que não houve fraude. - quem? - o Mourão e o Silas Malafaia.


o assunto fica esquisito. ele defende que a fraude é Lula ser candidato mesmo sendo ex presidiário. não argumento. deixo ele falar mais e apenas concordo. ele fica nervoso e acende um cigarro. fuma Marlboro blue ice. se fuma Marlboro é no mínimo classe média.


- você me daria um cigarro?

- claro.

- empresta o isqueiro também.


trago forte o cigarro. solto a fumaça e deixo de prestar atenção. olho pra rua tomada de patriotas pulando e dançando em frente aos carros. exilaram de mim meu amor pela cidade.


uma sequência de bizarrices acontece. primeiro uma mulher passa e começa a gritar coisas religiosas para câmera. um sermão cinematográfico.

depois uma multidão guiada por um rapaz se ajoelha em frente à câmera e começam a rezar.

não sei se acho mais violento a multidão se ajoelhar e rezar ou gritar furiosamente em direção à equipe.

é o que acontece. estamos rodeados de pessoas gritando palavras de ordens. uma dessas pessoas não está vestindo camiseta do Brasil. um jovem negro que, no meio do furdunço, tenta dar suas palavras para a nossa reportagem. logo depois uma senhora branca vem até nós.


- vocês precisam pegar uma fala minha e não a daquele rapaz.

sinto um ar de superioridade da senhora e pergunto o motivo.


- ele não está vestido adequadamente.


sei bem a que tipo de roupas ela está se relacionando. vamos à loja de conveniência e pegamos cafés. um homem nos questiona:


- vocês estão filmando a manifestação.

- sim.

- de onde vocês são?

- argentina.

- vocês são de esquerda?

- nós somos jornalistas.

- jornalistas são de esquerda, não são?

- o jornalista deveria ser isento. a gente é jornalista. viemos aqui mostrar o que está acontecendo e dar voz pra quem quiser falar.

- que bom. a grande mídia não veio noticiar.

- se eu fosse da grande mídia também não viria colocar minha vida em risco.


viro as costas e encerro o assunto. saímos à rua e paramos na próxima esquina sob uma marquise. ouço uma mulher dizer:


- e agora? o que vamos fazer? quais são as ordens?


é um rebanho totalmente adestrado. necessitam de ordens para se movimentar. sem movimento não há dança, não há sexo, não há pensamento. o pensamento é o movimento das ideias. é um povo privado do pensamento. penso, logo existo. logo, quem não pensa é apenas um voto útil.


- VAMOS PRA FRENTE DO COMANDO MILITAR! É A HORA DO PRONUNCIAMENTO! gritam a nova ordem. caminhamos juntos. mais um dia com essa gente e saio daqui completamente louco. é um vírus terrível.

em frente ao Comando bate as 20h e ninguém diz nada.


- e agora?

- e agora que a gente continua aqui pedindo uma nova eleição sem Lula e sem Bolsonaro.


vamos embora e no caminho escutamos o pronunciamento de um Bolsonaro em paz, pedindo para que as pessoas deixem de bloquear estradas e que mantenham os protestos de forma pacífica.


não me aguento e envio uma mensagem no grupo bolsonarista:

no dia seguinte uma outra equipe argentina que está cobrindo as manifestações é agredida pelos manifestantes. novas ordens vão surgindo. Incluindo uma greve geral de empresários.

onde já se viu isso? seria a primeira greve de empresários que eu já tive notícias. e contra a eleição de um homem que liderou a greve de trabalhadores mais famosa do país.


digito aqui no dia 9 e a greve do dia 7 não existiu. assim como a instalação do comunismo. a transição do governo foi iniciada e o novo governo Lula terá que negociar com muita gente pra conseguir governar. desfazer o orçamento secreto, que o governo Bolsonaro deixa de legado, será custoso para a nossa pátria. durante essa semana muitas agressões de "patriotas" contra pessoas que pensam de maneira diferente politicamente. e agressões e disparos de tiros contra policiais. eu derrubo lágrimas pelo país e pela notícia da morte de Gal Costa. que escutemos Gal e esqueçamos essas pessoas alucinadas. e que não haja anistia para o que fizeram ao país nos últimos 4 anos. queremos justiça! que o filme "Argentina 1985" nos inspire a culpar aqueles que mataram o povo e a democracia.



fotos e texto: Vitor Miranda instagram: https://instagram.com/vitorlmiranda?igshid=YmMyMTA2M2Y=

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